segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ESPECIAL GODARD: O DESPREZO


NOTA: 10.
"Eu gosto de Deuses. Eu gosto deles e muito. Eu sei exatamente como eles se sentem." Jerry Prokosch

A primeira cena do filme mostra uma mulher andando em direção à câmera. Ao seu lado, uma outra câmera acompanha a caminhada da moça em um travelling. Quando a câmera chega em frente da onde estamos vendo a cena sendo filmada, o operador a gira e ambas ficam frente a frente. Este não é apenas um filme, é a maneira de Godard mostrar que o que estamos para ver é sobre o processo de fazer filmes. O tão famoso "filmes sobre filmes", mas com a mestria de Godard.
Como de costume, nos filmes de Godard, é um filme de poucos personagens. O casal é Paul Javal (Michel Piccoli) e Camille Javal (Brigitte Bardot, no auge de sua beleza). Paul é contratado pelo produtor Jerry Prokosch (Jack Palance) para reescrever o roteiro do filme que está sendo dirigido pelo lendário diretor alemão Fritz Lang (interpretado por ele mesmo). O filme que estão fazendo é Odysseus, que deverá contar a história da Odisseia, de Homero. O filme é baseado no livro de Alberto Moravia, um livro que conta a adaptação de um livro para os cinemas.
Se trata de um filme globalizado: o produtor é americano, o diretor alemão e o roteirista francês. Claro que eles não podem concordar. Lang quer fazer um filme de arte, Prokosch quer um filme que atraia muita gente e Paul quer apenas dinheiro para acabar de pagar seu recém adquirido apartamento. Depois de uma breve reunião, Prokosch dá uma cantada na mulher de Paul, que o ignora mas é incentivada pelo marido a acompanhar o produtor.
Essa é a tônica do filme, Paul deliberadamente lança a mulher em cima do produtor. Ela nem ao menos sabe o porquê. Estaria o marido tentando forçar um interesse em contratá-lo? Com essa atitude, Camille começa a criar um desprezo pelo marido. Isso em uma discussão que os acompanha por toda a rotina deles no apartamento e que se acompanha durante a viagem do casal pela locação do filme em Capri. Ela despreza e o marido e ele quer saber o porquê. Mesmo quando ela o pega flertando com a secretária do produtor, ela parece não se importar mais.
Com certeza é um filme belíssimo, mas não é umas das obras-primas de Godard. Apesar das boas perfomances de Bardot e Piccoli, além da presença marcante de Lang, quase uma força da natureza, Palance destoa do resto do elenco. Ele não convence como o produtor prepotente. Além disso, a narrativa parece um pouco fragmentada, como se o diretor não estivesse muito à vontade com o material que está filmando.
O que pode ser compreensível, já que este é o primeiro filme de grande orçamento dele, o que refletiu em toda a sua carreira posteriormente, já que o diretor não mais aceitou projetos dessa proporção. Muitos interpretam um paralelo entre o filme dentro do filme e os personagens, e isso até mesmo acontece mas timidamente, como quando em uma conversa com Lang, Paul diz porque Penélope se ressente de Odisseu, uma explicação que serve para os problemas que está tendo com a mulher. Mas o filme também pode ser um paralelo entre Godard. Ele seria Lang, lutando contra seu produtor.
Os produtores teriam reclamado que Godard filmou com Bardot sem uma cena de nudez. Godard filmou lindas cenas da atriz deitada sem mostrar nada dela. Entregou o que os produtores queriam, mas de seu jeito. Sem eroticismo. Ele também foi obrigado a filmar em cinemascope, e ele coloca Lang em uma cena em que diz: "Cinemascope é bom para cobras e caixões, não para pessoas." É sua forma de protesto. Dentro do filme. Infelizmente Godard ficou preso a essas convenções que não consegue ser ele mesmo como diretor. Este é, talvez, seu filme mais convencional dessa fase, mas ainda assim um filme sensacional.

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