NOTA: 10.
- Eu não vou falar. Eu não direi uma palavra.
Fora as muitas referências que o filme usa, eu não deixei de pensar em Chaplin. Por um simples motivo: Luzes da cidade. Já fazia três anos que o cinema tinha começado a falar e todos buscavam os filmes falados. Chaplin foi contra a corrente e lançou um filme mudo quando as pessoas pediam mais e mais filmes falados. Ele o fez porque acreditava que o cinema mudo era a verdadeira arte. Depois ele acabaria se rendendo à novidade, mas foi este filme mudo a sua maior expressão cinematográfica.
George Valentin (Jean Dujardin) me lembra muito Chaplin. Ele é uma grande estrela do cinema mudo que não se adapta ao novo modelo de cinema. Mais pelo orgulho da sua arte, que ele acredita não precisar de voz, do que por qualquer outro motivo. É esse orgulho que faz com que ele invista seu dinheiro para realizar um filme mudo também seguindo contra a corrente. A diferença é que o filme de Chaplin foi um sucesso e o dele não. E ele acaba sozinho num apartamento furreca com seu cachorro. Não sem antes passarmos por uma montagem de café da manhã com uma clara homenagem a Cidadão Kane.
O Artista é quase todo mudo, como Valentin (e Chaplin) acredita que o cinema deveria ser. Talvez isso acabe fazendo com que o filme não tenha o público que merece, já que poucos hoje se interessam por filmes mudos. Isso é uma pena para o filme que pode sair de cartaz antes do tempo por causa disso, mas é pior ainda para o público que pode ficar sem ver um dos melhores filmes do ano passado. Se posso dar um conselho aqui, seria: não deixem de ver esse filme por ele ser mudo.
Uma das inspirações que citei, deve ser Cantando na chuva, onde uma grande atriz dos filmes mudos estava estragando os novos filmes falados filmes por ter uma voz horrível. O herói do filme era interpretado por Gene Kelly, e quase parece ser o mesmo personagem interpretado agora por Dujardin. Os dois tem uma linguagem corporal muito boa. Tão boa que ambos conseguem passar sem qualquer problema por grandes atores da época muda.
Valentin recebe ajuda de apenas duas pessoas no filme: o primeiro é seu leal motorista e faz tudo Clifton (James Cromwell), que permanece ao seu lado mesmo quando ele está sem dinheiro e sem pagá-lo há um ano. A outra é Peppy Miller (Berenice Bejo), uma grande estrela do cinema que ele conheceu quando ela não era ninguém. Na verdade, foi que ele lutou para que ela fizesse o primeiro filme que participou e a aconselhou a usar um sinal perto da boca (Marilyn Monroe?) que os fãs adoram.
Uma outra coisa que me veio em mente é uma frase dita no filme Crepúsculo dos deuses, um filme que também falava de uma grande atriz da era muda que vivia isolada em um velho casarão. Norma Desmond (interpretada divinamente por Gloria Swanson) virava pro roteirista e dizia: "Não precisávamos de diálogos. Nós tínhamos rostos." Dujardin é um desses atores com uma grande expressão facial.
O filme também é em preto e branco, mas não acredito que isso desagrade muitas pessoas como o fato de ser mudo. A falta de cores ajuda um pouco a assumirmos o tom não-realista do filme. Sem abraçar as formas mais modernas de se filmar (não lembro de uma cena sequer com zoom, por exemplo), ele faz uma coisa quase impossível: ele cria um equilíbrio fantástico entre as tradições do passado e as exigências do presente. Tem o espírito de um filme antigo quando na verdade é um ótimo entretenimento moderno. Ver o filme é olha pra Hollywood de outrora e de agora ao mesmo tempo. Literalmente: o tipo de filme que não se faz mais nos dias de hoje.
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