NOTA: 100.
- Eu devo lembrar desse momento.
Ingmar Bergman é um desses diretores que coleciona obras primas, e esta pode ser a maior delas. Ou pelo menos é uma das mais conhecidas. A história chegou a ser parodiada e é muito reverenciada. Com todos os motivos para isso, claro. É a história de um cavaleiro retornando das cruzadas em um barco onde quase todos morreram pela praga. A Morte vem ao seu encontro para buscá-lo, mas ele a convence a jogar xadrez. Se ele vencer, não morrerá, se perder, pelo menos permanecerá enquanto o jogo ainda estiver acontecendo.
Em uma cena, o cavaleiro chega a uma igreja e vai se confessar. Ele faz sua confissão abrindo sua alma. De certa forma, ele parece querer entender porque certas coisas acontecem. Ele queria poder falar com Deus, ou pelo menos gostaria de entender porque as coisas estão tomando um caminho tão sombrio. De repente, a figura para quem está se confessando se vira e revela ser a Morte, ouvindo a tudo, inclusive as estratégias do jogo de xadrez que estão jogando. Infelizmente, imagens como essa não tem mais lugar no cinema moderno. Como ele sabe que a Morte gosta de xadrez? Ele faz parecer como se isso fosse de conhecimento geral, e em nenhum momento chegamos até a estranhar.
Não. O cinema de hoje em dia tem grande comprometimento com o "real". O filme de Bergman tem muito mais a ver com os filmes mudos do que com os outros filmes de sua época, e menos ainda com os filmes que vieram depois. E eu incluo os filmes do próprio diretor a essa lista. Um filme que "fala" do silêncio e da ausência de Deus.
Muitos filmes falaram sobre Deus, mas poucos tiveram a coragem de falar de maneira tão direta sobre o assunto. Em quantos filmes vemos um homem jogando xadrez contra a própria morte? A imagem é tão perfeita, tão emblemática, que consegue sobreviver a inúmeras paródias. A coragem do diretor vai além quando ele não termina o filme com um clímax, como é de se esperar. Ao invés disso, somos agraciados com uma imagem tão ou mais poderoso que o jogo de xadrez, e que provavelmente vai ficar na mente de qualquer pessoa que assistir.
O filme ainda usa a praga como forma de mostrar comportamentos extremos. Ninguém age de maneira comum. As pessoas são más com quem podem ser. O cavaleiro passa por uma mulher que está acorrentada esperando para morrer queimada na fogueira, Aparentemente, ela teria dormido com o demônio, o que teria atraído a peste para o mundo. O cavaleiro aproveita para conversar com ela, afinal se ela teve contato com o diabo, isso pode significar que ela tenha conhecimento de Deus. Mas ele não consegue ver nada além do vazio dos olhos da mulher. Não há resposta para esse homem.
A praga parece representar todos os medos dos homens, talvez por isso acabe fazendo surgir o que de pior há na humanidade. Os únicos que demonstram amor é o casal de atores e seu filho ainda pequeno. Todos interpretados com uma maestria impressionante, liderados pelo não menos brilhante Max Von Sydow. O elenco forte só serve para engradecer ainda mais este filme maravilhoso e fascinante.
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